domingo, 17 de julho de 2011

Do gozo a desmistificação - Um caminho para prática teatral



por Lino Rocca*


Este texto nasce a partir da leitura de uma palestra dada pelo filosofo francês de origem argelina Louis Althusser num encontro com o importantíssimo Teatro Piccolo de Milão no meados de 1969 abordando os pensamentos de Marx e Brecht e entendendo-os como exercícios de duas práticas inovadoras. Segundo ele é evidente que Marx de um lado, e Brecht, de outro, identificaram que a Filosofia e o Teatro têm profundas relações com as Ciências, de um lado, e com a Política, de outro.

Para Althusser Marx e Brecht compreenderam cada um à sua maneira, que a questão central da Filosofia e do Teatro era manter com a Política uma relação mistificada. Ambas as estruturas são fundamentalmente determinadas pela Política, e, contudo, fazem de tudo para negar essa determinação, ou melhor, para fingir que escapam dela. A Filosofia e o Teatro falam sempre para encobrir a voz da Política. E conseguem muito bem. Althusser diz: ”Elas existem apenas através dela, e ao mesmo tempo elas existem para suprimi - lá, justamente à qual elas devem sua existência”.

Para Althusser o resultado é bem conhecido: “a Filosofia passa seu tempo afirmando que não faz Política, que está acima dos conflitos políticos de classe, que se dirige a todos os homens, que fala em nome da Humanidade, sem tomar partido, ou seja, sem reconhecer o partido político que ela segue.” É o que Marx chamava de a “Filosofia que se contenta em interpretar o mundo”. Na realidade, nenhuma Filosofia se contenta em interpretar o mundo: toda filosofia é politicamente ativa, mas a maioria das filosofias passa seu tempo negando que sejam politicamente ativas. Elas dizem: nós não tomamos partido em política, nós nos contentamos em interpretar o mundo, em dizer o que ele é. E ai vale afirmação - quando alguém vem lhes dizer: “eu não faço política”, pode estar certo que esse alguém faz. É a mesma coisa com o Teatro.

Desta forma, percebe-se a Filosofia como uma produtora de objetos de consumo para um gozo especulativo, e por outro lado, percebe-se o Teatro como produtor de objetos de consumo para o gozo estético. Os filósofos acabam criando filosofias para o consumo e o gozo especulativo, os dramaturgos, e os diretores e atores, acabam criando o Teatro para o consumo e o gozo estético. A crítica da especulação-interpretação do mundo em Marx e a crítica do Teatro digestivo em Brecht são uma única e mesma coisa.

Então, Althusser afirma: “Daí deriva a revolução da prática em Marx e em Brecht. Não se trata de criar uma nova Filosofia, ou um novo Teatro. Trata-se de instaurar uma nova prática no interior delas, para que elas deixem de ser interpretação do mundo, ou seja, mistificação, e sirvam à transformação do mundo”. Portanto, o primeiro efeito dessas novas práticas é o de afirmar a destruição desta mistificação e não da Filosofia e do Teatro. É preciso então, reconduzir ambas ao seu verdadeiro lugar, para fazer aparecer essa mistificação como mistificação e, ao mesmo tempo, para mostrar a sua verdadeira função: a de transformar a Realidade e o Humano.

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Lino é um dos articuladores da cultura na Baixada Fluminense. Formado em teatro, fui Gestor de Cultura em Nova Iguaçu-RJ